Leonardo Foletto
Editor do BaixaCultura e integrante da Casa da Cultura Digital
Fui buscar no BaixaCultura um texto que ajudasse a entender a palavra e achei um: a tradução da introdução do “Copyleft – Manual de Uso”, publicado pela editora espanhola Traficante de Sueños, um dos trabalhos mais importantes que conheço sobre o assunto que, em 9 capítulos, relaciona a parte conceitual do copyleft com aspectos práticos, relacionado a aplicação das licenças nas áreas da música, audiovisual, software, dos livros e das artes visuais.
A introdução explica de forma didática como o copyleft surgiu e pode ser praticado hoje. Nascido dentro do software livre, é um conceito que se propagou pra áreas comocultura copyleft ou cidades copyleft.
Posto aqui abaixo uma versão editada da introdução do Manual, que traduzi pela primeira vez em 2010. Segue:
Já faz algum tempo que o termo copyleft saltou das margens do mundo da informática e se instalou em todos os âmbitos da produção intelectual. Ainda que relativamente desconhecido, torpemente pronunciado pelos iniciados, o copyleft se converteu na bandeira de um movimento cultural e político que reúne toda classe de criadores e trabalhadores intelectuais: músicos, escritores, programadores, artistas, editores, juristas, midialivristas e um longo etcétera que ameaça se instalar em cada rincão da sociedade.
O termo provém de um engenhoso jogo de palavras em inglês, que parecia utilizar as artes do desvio situacionista para inverter e aproveitar a “insuspeita flexibilidade” da jurisdição anglo-saxônica do copyright. Destruindo com a ironia do original, poderia-se traduzir para o português o termo como “esquerda de cópia” ou “permitida a cópia”, ainda que sua primeira utilização esteja muito distante de ser um jogo de palavras.
No âmbito da programação [de computador], copyleft definia antes de mais nada um conceito jurídico. Assinalava que todo programa licenciado como software livre (aquele que está permitida a cópia, a modificação e a distribuição sem permissão) teria que permanecer sendo livre nas distribuições (modificadas ou não) do mesmo. O copyleft garantia assim que ninguém poderia apropiar-se de um programa de software livre, pelo menos de acordo com a lei. Deste modo, parecia encarnar o slogan de 1968 de que “é proibido proibir”, e isso em um terreno tão impróprio como o campo jurídico!
De forma talvez abusiva, mas sem dúvida com uma efetividade social poucas vezes repetida, o copyleft passou para o terreno dos bens culturais para designar precisamente o que no software livre era uma obviedade: a garantia de certas liberdades do público, a partir da própria arquitetura das leis que reconhecem invariavelmente ao autor a possibilidade de escolher, com plena liberdade, o modelo de distribuição e exploração de suas obras. Estas liberdades são: de cópia, distribuição – comercial ou não-comercial (aspecto que para muitos é a condição imprescindível para considerar um bem cultural como livre) – modificação e geração de obra derivada.
Mas por que precisamente agora? Ao fim e ao cabo, sempre existiu criação intelectual e até bem pouco tempo atrás poderia parecer completamente bizarro falar de estas liberdades que o copyleft promete. Teríamos que dizer que o copyleft é produto de uma estranhíssima revolução tecnológica, que permitiu que os bens culturais e o conhecimento sejam independentes dos velhos formatos físicos, sendo distribuídos de forma potencialmente universal pelas redes telemáticas.
Esta quase completa “liberação da matéria” que permite a digitalização, e que em certa medida esconde a promessa de que todos podemos acessar a moderna Biblioteca de Alexandría desde o computador de nossas casas, tem sido considerada como a maior ameaça para os setores econômicos mais poderosos do nosso tempo: a indústria do software, as diferentes indústrias culturais, as indústrias de biotecnologias, etc. Sem dúvida, porque esta circulação aleatória e livre, que põe literalmente tudo ao alcance de todos, acabaria com os monopólios fixados estritamente pelas leis de propriedade intelectual e de propriedade industrial. Por isso, hoje somos testemunhas das criminosas campanhas anti-piratarias e das terríveis condenações por violação de direitos de autor, que em alguns países praticamente equipara este equívoco aos delitos contra a propriedade e a integridade física das pessoas.
Mas esta revolução que aqui chamamos de “digitalização” não somente facilita a distribuição de bens e conhecimento como, também, tem miniaturizado as tecnologias que permitem a sua produção. Assim dá-se o paradoxo que a condição de autor ou de autoria tem extendido pela sociedade, até o ponto de diluir as fronteiras entre criador e espectador, autor e público. Neste ponto, o copyleft deve vir ao socorro desta massa potencial de criadores. Deve permitir ao autor que suas obras (sempre baseadas em outras) nunca sejam apropriadas por novos monopolistas, de tal modo que sejam revertidas reciprocamente para a formação de um comum (alguns chamam de procomun) que se torne uma reserva infinita para futuras criações.
O copyleft tem sido aplicado em âmbitos tão díspares como o software e a música, a edição de livros e o direito, a arte e o jornalismo. Cada âmbito da produção de uma obra intelectual tem suas próprias especificidades, que se devem a formas de produção e distribuição particulares que, inclusive, tem suas próprias legislações específicas no que diz respeito à propriedade intelectual. Não seria justo nem prático lançar todos os ingredientes da produção intelectual em um calderão de legislação, removê-los todos juntos – ainda que seja em sentido inverso ao convencional – e chamar a receita de copyleft. Cada âmbito diferente exige uma atenção própria, que deve se valer tanto das características específicas de cada área como de experiências e estratégias de implementação de licenças livres em cada compartilhamento da produção intelectual.
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