No dia 7dez15 aconteceu em Porto Alegre o primeiro seminário do ciclo POA que discutiu alternativas de desenvolvimento mais democrático, participativo e sustentável para a cidade. Este primeiro evento – que aconteceu no Hotel Everest – abordou a economia criativa.
O seminário contou com as participações e palestrantes como o economista Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo; o professor titular do Departamento de Pós-graduação da PUC-SP, Ladislau Dowbor, e Klaus Mindrup, deputado federal (SPD), especialista na regeneração dos espaços urbanos.
Segmento econômico emergente, a economia criativa tem sido retratada como fenômeno relevante em diversas cidades do mundo e do Brasil por seu caráter inovador e pelo desempenho econômico positivo no mercado de produção e consumo de tecnologia e bens culturais, ou o chamado setor “criativo” da economia.
Segundo a UNCTAD, a despeito da queda de 12% no comércio geral entre as nações logo no primeiro ano da crise (12% negativos), analisado isoladamente o segmento criativo vem crescendo a uma média de 14% ao ano desde então. Vale destacar que pesquisa recentemente divulgada pela Fecomércio/SP coloca Porto Alegre como a segunda cidade do país no campo da economia criativa.
O setor se caracteriza especialmente por englobar pequenas empresas e incubadoras que prestam serviços ou produzem mercadorias baseadas em processos criativos, tecnológicos e culturais; por envolverem um público majoritariamente jovem e por terem estruturas horizontais e inovadoras que funcionam muitas vezes em rede.
Para abordar o tema e traçar um panorama geral do que é a economia criativa, o POA Mais entrevistou o sociólogo e doutorando em Sociologia no Programa de Pós-Graduação da UFRGS, Alexandre Karpowicz, que tem se dedicado a pesquisar este novo ramo econômico. Para ele, “a economia criativa tem grande potencial, mas não pode ser considerada sozinha, não pode estar isolada da grande cadeia produtiva”.
Pesquisa da Fecomércio/SP apontou Porto Alegre como segunda capital no campo da economia criativa. A que você atribui essa boa colocação?
Acredito que o primeiro fator é a diversidade cultural da capital gaúcha. Além disso, Porto Alegre é também um importante polo universitário, de maneira que temos um amplo mercado de formação criativo em áreas como publicidade, arquitetura e design. Outra questão importante para se pensar em Porto Alegre com capital criativa é a nossa conexão com Uruguai e Argentina. Devido à proximidade geográfica, temos interconexão com profissionais e estudantes destes países. Por tudo isso, temos hoje capacidade de formação do setor criativo com um caráter contemporâneo, setor este que resulta da fusão, da convergência entre arte, tecnologia e negócios, gerando um produto simbólico, algo que passou a ser bastante valorizado economicamente no mercado internacional.
Como você vê a relação entre este setor e o poder público? Acha que falta investimento do poder público no fomento à economia criativa?
Porto Alegre está se movimentando. Essa discussão da economia criativa chega ao Brasil em 2011 via Ministério da Cultura, que cria Subsecretaria da Economia Criativa. É o primeiro movimento em nível institucional federal a fazer um mapeamento desta área. A partir de 2012, essa discussão passa a ser encampada no âmbito governamental no Rio Grande do Sul, na gestão Tarso Genro, que também iniciou um processo de mapeamento. No nível da prefeitura, neste mesmo ano também foi feito um levantamento da potencialidade do setor em Porto Alegre, de seus territórios criativos, incubadoras etc. A prefeitura buscou estabelecer parcerias com instituições privadas no sentido de criar incubadoras criativas. Acho que no âmbito municipal, já estivemos mais atentos a este setor em Porto Alegre, mas acho que estamos evoluindo neste debate, que é recente em termos de Brasil. Há uma primeira demanda para a criação de setores, formação de mão de obra, de recursos humanos e, aliás, a economia criativa já reflete, bastante, esta demanda.
Em que pontos a ação do poder público ainda deixa a desejar?
Em Porto Alegre, deixa a desejar a ausência de um mapeamento dos territórios criativos, os bairros, mapear essas áreas que estão mais aquecidas na cidade no mercado da criatividade. Por se tratar de uma área nova em termos de economia, a economia criativa ainda passa por um momento de descrédito, de falta de confiança. Por isso, acho que falta um olhar mais atento no sentido de estimular o setor por meio da formação técnica nas universidades. Além disso, há uma parte da economia criativa que tende a estimular o turismo local e regional, então, por que não valorizar este aspecto? Um exemplo é a zona rural de Porto Alegre, que tem a peculiaridade de estar dentro do contexto urbano.
A economia criativa pode ser considerada uma estratégia de desenvolvimento econômico para a cidade ou para um determinado segmento social?
Quando surge em nível internacional, a economia criativa está baseada na produção de bens intangíveis, não padronizados, singulares, que trazem originalidade, de forma que nos países mais desenvolvidos, esta produção tem um forte valor comercial. O setor veio para brigar com economias já estabelecidas, como a industrial. Quando a perspectiva da economia criativa passa a ser estimulada nesses países, alguns pesquisadores passam a vê-la não a partir de uma visão salvacionista, mas de tentar compreender que ela pode ser, digamos, uma nova possibilidade para a economia local porque parte da valorização de elementos culturais numa fusão com a tecnologia. Em termos de proposta de desenvolvimento, acho que a economia criativa tem um grande potencial sim. Acho que agora o grande desafio em termos de Brasil, RS e Porto Alegre é trabalhar para criarmos nossa própria visão de economia criativa.
É importante lembrar que uma das características da economia criativa e que favorece seu desenvolvimento local é a flexibilidade em relação aos arranjos produtivos locais, num formato mais horizontal, de rede, que acaba estabelecendo vínculos entre produtores, fornecedores e comunidade. Mas, para isso precisa estar associada com políticas públicas que incentivem seu estabelecimento e a formação técnica. A economia criativa tem grande potencial, mas não pode ser considerada sozinha, não pode estar isolada da grande cadeia produtiva.
Para além da questão do desenvolvimento econômico, existe uma questão mais social e de ocupação do espaço público relacionada à economia criativa. É comum que novas empresas deste ramos se instalem em áreas degradadas devido ao seu baixo custo. E ao se instalarem, essas empresas acabam criando outro ambiente no entorno, importante na revitalização das cidades…
Sim, esta é uma grande característica deste formato de negócio, que além de ter uma finalidade de geração de valor, também dialoga com estes fatores sócio-culturais. Do ponto de vista da revitalização do espaço urbano, acho que tem sim um grande potencial, com novas formas de sociabilidade, de pegar áreas degradadas e dar um novo uso, um novo sentido. Uma região clássica aqui é a do DC Navegantes. A partir dos anos 40 até os anos 80, esta era uma região industrial, a partir dos anos 90, o Quarto Distrito passa por certa revalorização imobiliária. Do ponto de vista da reorganização do espaço urbano, a economia criativa também passa a indicar novas formas de ocupação que são necessárias. Este seria um viés mais político da economia criativa: repensar o uso da malha urbana, dos territórios, dos recursos urbanos.
Por Priscila Lobregatte
Fonte: PoaMais