Por Rafael Barifouse e Raquel Salgado.
No ano 2000, o decadente centro histórico de Recife recebeu investimentos que o transformaram num prestigiado polo de tecnologia. A revista Business Week o elegeu como um dos dez locais do mundo onde o futuro do planeta é pensado. A consultoria A.T. Kearney classificou o Porto Digital como o maior e mais rentável parque tecnológico do país. Com 135 empresas, o polo pernambucano movimenta R$ 500 milhões por ano com o desenvolvimento de softwares. Agora, aposta na chamada economia criativa para se reinventar. No mês passado, foi lançado o Delta Zero – Base Recife de Criação. Trata-se da primeira investida do polo fora da tecnologia da informação. O novo braço de capacitação investirá R$ 8,3 milhões em empresas ligadas a música, publicidade, cinema, games e animação. Iniciativas como essa fazem parte de um movimento inédito no Brasil para alavancar a economia criativa. E procuram resolver um problema de escala do setor. “A economia tradicional não suporta o que considera amadorismo dos criativos em gestão. Já os criativos têm dificuldades para lidar com a frieza dos números. Os dois lados não dialogam, e os negócios travam na largada”, diz Fernando Saboya, diretor do Porto Digital. “Queremos potencializar essa criatividade e gerar escala.”
Há mais indícios de que a economia criativa ganhará corpo. O BNDES inaugurou, no fim do ano passado, uma linha de crédito para música, games, editoriais e espetáculos. Em agosto, foi criada a Rio Criativo, primeira incubadora do país com foco nessas indústrias. A cidade abriga ainda o Polo de Economia Criativa, organização sem fins lucrativos voltada para capacitação. Acaba de se juntar a esse rol de ações o novo Conselho de Economia Criativa da Fecomercio, entidade do varejo, serviços e turismo do estado de São Paulo, que criará ainda a primeira faculdade brasileira na área. Por fim, Salvador terá, em 2011, um novo centro de moda e design no seu porto.
Essas iniciativas gerarão empresas, empregos e qualificação. A longo prazo, colocarão o país em sintonia com uma economia pujante e com a principal estratégia de desenvolvimento do século 21, segundo a ONU. Estimativas modestas indicam que as áreas criativas movimentam US$ 1,8 trilhão por ano, mais do que toda a Espanha ou o Canadá. A globalização as fez dar um salto desde os anos 90. A sua exportação de produtos e serviços cresceu 76% entre 1996 e 2005, para US$ 426,6 bilhões (ou 3,4% do comércio global), segundo dados mais recentes. Mas, afinal, o que é economia criativa e por que ela teve uma evolução tão surpreendente?
Quase toda a atividade humana usa criatividade. Recentemente, porém, essa criatividade passou a ser algo intrínseco a certas áreas de atuação, em que a cultura e o conhecimento geram valor diferenciado. A primeira menção às áreas criativas como indústria foi feita pelo governo australiano, em 1994, no relatório Nação Criativa. Quatro anos depois, o Reino Unido foi pioneiro ao criar uma política de Estado que elegeu esses setores como prioritários para o país. O consultor inglês John Howkins acompanhou a transformação de perto, como diretor de cinema e TV. À época, o berço da Revolução Industrial via sua manufatura diminuir 1% ao ano, impotente diante dos insuperáveis custos de produção asiáticos. As indústrias criativas cresciam 16%, bem acima dos 6% da economia britânica. Foi quando o então primeiro-ministro, Tony Blair, criou forças-tarefa para promovê-los. “Esse crescimento acima da média mostrou que a criatividade gera produtos de maior valor agregado e empregos de qualidade”, afirma Howkins, autor do livro The Creative Economy, de 2001, em que cunhou o termo. “Havia muitas pessoas se formando nessas áreas. Elas não queriam trabalhar em fábricas ou no campo, como seus pais e avós. Queriam lucrar usando seus cérebros. E na economia criativa isso é possível. Você não precisa de capital ou terra para ser designer ou pintor. Há menos barreiras de entrada.”
Ao mesmo tempo em que países desenvolvidos experimentavam essa transformação, a nova economia digital dava mais relevância ao setor de serviços, a base das indústrias criativas, e responsável por 79% das suas exportações. Entre 2000 e 2005, as áreas criativas cresceram a uma taxa média anual de 8,7%, quatro vezes mais do que a indústria convencional, e aos poucos deixaram de ser vistas como o lado B da economia regida pelo tripé agricultura, manufatura e comércio. A importância econômica conquistada pelo cinema, pela propaganda e pela televisão impulsionou a nova visão. Mas o verdadeiro motor da economia criativa é o design, com 65% das exportações.
A razão para isso pode ser entendida pela trajetória da agência americana Ideo. Seu criador, Tom Kelley, é um dos formuladores do design thinking – movimento que prega o uso de técnicas de etnografia e antropologia para decifrar aspirações do consumidor. Em três décadas, a agência, que fatura US$ 100 milhões ao ano, criou mil patentes para 267 clientes, responsáveis por 4 mil projetos. Trabalho reconhecido com 350 prêmios internacionais.
Um símbolo dessa nova economia e do valor que a criatividade agrega é o iPhone. A simples montagem dos seus componentes custa US$ 11. Todas as peças saem por US$ 189. Mas o smart-phone chega às lojas por US$ 690. Isso acontece graças à combinação inédita de tecnologia, design arrojado e um modelo de negócios que amarra as pontas entre o aparelho e serviços digitais para criar um produto diferenciado. O mesmo aconteceu com o tocador de música iPod ou o leitor digital iPad. Essas inovações tiraram a Apple do precipício financeiro em que estava nos anos 90. Hoje é a segunda companhia mais valiosa dos Estados Unidos, atrás apenas do conglomerado de energia Exxon Mobil. Isso não teria acontecido sem um fator-chave. “Demanda”, diz Howkins. “A sociedade de consumo se sofisticou, e muitos passaram a desejar esses produtos.”
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