O carvão da Polônia e o leilão de energia solar no Brasi

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Muito além dos conhecidos logotipos das petrolíferas encontra-se uma cadeia econômica com peso suficiente para atrair a própria secretária-executiva da UNFCCC, Christiana Figueres, para seu grande evento anual. Trata-se, irônica e vexatoriamente, da poderosa indústria do carvão, cujo encontro mundial começa na semana que vem na mesma Varsóvia que está recebendo a CoP19.

Mas não é só nos países que ainda dependem de combustíveis fósseis para acender lâmpadas que a energia fóssil tem força. No ensolarado Brasil, o primeiro leilão de energia que contará com projetos solares fotovoltaicos acontecerá apenas na semana que vem – quatro anos depois de apresentarmos metas voluntárias de redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa! De lá para cá, o governo aplicou-se na redução das queimadas e desmatamento, principal causa de nossas emissões, mas fez vista grossa ao avanço das termelétricas movidas a combustíveis fósseis (e ao lobby da bancada do carvão no Congresso). Resultado: entre 1990 e 2020 as emissões do setor elétrico praticamente dobraram, passando de 191 milhões de gigatoneladas de CO2 equivalente para quase 400 milhões de toneladas, segundo as Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil, lançadas este ano pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

Daqui para a frente, o cenário não é nada animador: a energia solar sequer aparece no cenário projetado pelo Plano Nacional de Energia 2030, do Ministério de Minas e Energia, a não ser como parte de ínfimos 1,2% de “outras centrais térmicas”. A energia eólica recebe igual (falta de) atenção: o documento que orienta nossa política energética indica que o país trabalha para ter 1% de sua energia vinda dos ventos.

Tamanho desinteresse em energias renováveis ajuda a entender porque o primeiro leilão com projetos solares acontece junto com outras fontes que hoje são economicamente mais competitivas. Hoje a energia fotovoltaica chega a ser competitiva com tarifas de consumo residencial praticadas em algumas regiões do país, mas não é competitiva com as tarifas de oferta de energia que são apresentadas nestes leilões. Por isso, seria fundamental que a EPE-Empresa de Pesquisa Energética fizesse leilão específico para a fonte fotovoltaica. Mesmo que para a compra de um pequeno lote de potência, tal iniciativa daria um sinal aos empreendedores de que o governo fala sério sobre o uso desta fonte e permitiria ao sistema elétrico experimentar a lida cotidiana com esta fonte e suas especificidades.

A tabela abaixo apresenta o número de projetos apresentados por fonte e por quantidade total de energia da fonte para o leilão do próximo dia 18 de novembro.

Fonte de energiaNúmero projetosOferta (MW)
Eólica3819191
Solar fotovoltaica31813
Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH)10190
Térmelétricas a biomassa7266
Total de projetos429 
Total de oferta de energia (MW) 10460

Se a energia fóssil tem essa força no Brasil, imagine na Polônia, que é o segundo maior produtor de carvão na Europa, depois da Alemanha.  Foram 158 milhões de toneladas em 2012, ano no qual o carvão respondeu por 83% da eletricidade produzida no país. Lá o plano energético de longo prazo privilegia fontes não-renováveis: de acordo com recentes cenários elaborados pela Chancelaria do primeiro-ministro polonês, o carvão deverá gerar entre 60% e 80% da energia do país mesmo depois de 2050. Lá, como cá, o baixo custo é a justificativa – uma conta falaciosa, pois não considera os custos sociais e ambientais ocultos, os custos ditos “exógenos” pelos economistas. Apenas a título de exemplo destes custos: especialistas em saúde dizem que as usinas de carvão polonesas vão causar 1000 internações hospitalares e 800 mil dias de trabalho perdidos por ano, num custo total estimado de EUR 8 bilhões anuais. Seis das dez cidades europeias com os piores padrões de qualidade do ar estão localizadas na Polônia – 4 delas em uma região historicamente associada à mineração e queima de carvão.

Apesar da irracionalidade pró-carvão do governo polonês, as pesquisas de opinião feitas no país mostram que 96% acreditam que o país e o mundo devem usar fontes de energia mais limpa; 84% dos poloneses pensam que a crise climática é uma grande ameaça e que há uma necessidade de agir agora; 75% acreditam que a União Europeia deve ser líder global em proteção do clima; 69% afirmam que a humanidade tem que combater a mudança climática mesmo que isto desacelere o crescimento econômico; 67% declaram a disposição de pagar mais por energia limpa.

Junto com a população estão as organizações participantes da CoP19 que integram a CAN (Climate Action Network). Elas enviaram uma carta à Christiana solicitando que ela não participe da “Cúpula Carvão e Clima” devido à natureza problemática e provocativa do evento e ao momento em que este acontece, paralelo à Conferência das Partes da Convenção Clima de Varsóvia (ver texto abaixo). Os jovens que participam da CoP somaram um desafio ao apelo: convidaram-na para seu evento de preparação (ver abaixo).
CARTA DE ORGANIZAÇÕES AMBIENTALISTAS A CHRISTIANA FIGUERES, 

SECRETÁRIA EXECUTIVA DA UNFCCC 

Vossa Excelência,

As organizações abaixo assinadas escrevem para levantar sérias preocupações relativas à próxima CoP da Conferência do Clima de Varsóvia, Polônia.

É claro que para evitar o rompimento de pontos de inflexão críticos e a possibilidade de mudanças climáticas catastróficas, devemos parar a extração e o uso de todas as fontes de combustíveis fósseis, especialmente o carvão, o mais abundante e mais sujo dos combustíveis fósseis hoje em uso. Por isso, é escandaloso que a Cúpula Mundial do Carvão venha a ter lugar no início da segunda semana de negociações sobre o clima a convite do vice-primeiro-ministro da Polônia.

Face ao exposto, ficamos muito preocupados em saber que Vossa Excelência como a ‘voz’ da Convenção sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) concordou em participar desta Cúpula do carvão. Ao fazer isso acreditamos que V.Sa. chamaria muito mais atenção do público e adicionaria sua própria (considerável) credibilidade para um evento que não deve ser legitimado. Sua participação pode contribuir para minar as campanhas da sociedade civil global no sentido de manter os combustíveis fósseis no subsolo e promover uma transição justa para as energias renováveis, em vez de queimá-los em detrimento das gerações futuras.

Com todo respeito, pedimos que V.Sa. decline de falar à Cúpula do Carvão e Clima. Precisamos de todos os nossos líderes para promover empregos verdes e uma justa transição rumo à sustentabilidade. Isso requer um claro compromisso de trabalhar em estreita colaboração com os governos e as empresas sustentáveis que querem liderar o mundo em direção a um futuro de emissões zero e sustentável, no interesse de todos os cidadãos do mundo, e não junto às indústrias poluentes que estão a minar o processo intergovernamental e o objetivo último da Convenção. 

Reconhecemos que este é um pedido difícil e não o fazemos levianamente. No entanto, gostaríamos de uma resposta pública e apreciaríamos em qualquer evento de termos a chance de falar com V.Sa. na próxima semana. 

ActionAid, Christian Aid, Friends of the Earth, Greenpeace, Oxfam, WWF

Texto original em http://eco.climatenetwork.org/cop19-eco1-4/

RESPOSTA DA SECRETÁRIA EXECUTIVA DA UNFCCC À CARGA DA JUVENTUDE 

Queridos amigos da Youngo:

Agradeço as suas preocupações em relação à minha participação na próxima reunião da Associação Mundial do Carvão. Tenham certeza de que assumo minhas responsabilidades, como funcionária internacional, consagrada no artigo 100 da Carta de Regulamentos das Nações Unidas, 1.1 e 1.2 do Regulamento de Pessoas das Nações Unidas, muito a sério. Na verdade, de acordo com o juramento da ONU que fiz em minha nomeação como Secretária Executiva sou proibida de procurar ou receber instruções de qualquer autoridade externa à Organização das Nações Unidas. Sempre respeitei essa empresa e pretendo continuar a fazê-lo, estando totalmente comprometida com o artigo 2 da Convenção sobre Mudanças Climáticas.

No entanto, também é com alguma tristeza que recebi a mensagem de vocês. Esperava que já soubessem que sou tão apaixonada quanto vocês quando se trata em enfrentar a mudança climática. Esperava que vocês já soubessem que sou profundamente comprometida com este desafio, precisamente por causa de vocês, a próxima geração. E ainda que soubessem que estou dolorosamente ciente do fato de que, se não formos capazes de reduzir as emissões de gases do efeito estufa em tempo hábil, será a geração de vocês e a próxima que arcarão com o ônus. Esta não é a vida que quero para minhas filhas, ou meus netos, não é a vida que eu quero para qualquer um de vocês ou algum de seus filhos.

Também esperava que, depois de anos de trabalho sobre esta questão, vocês teriam percebido que nós não avançaremos apenas “rezando para mudança”. Felizmente temos um grupo de pessoas em todas as esferas da vida e em todos os países que estão profundamente comprometidos, incluindo vocês. No entanto, esperava que neste momento vocês tivessem percebido que isso não é suficiente. Precisamos de muito, muito mais envolvimento, precisamos construir pontes para além do nosso círculo de amigos, em especial, precisamos engajar aqueles que podem e devem contribuir de forma grande para a solução. Em nossa luta para reduzir as emissões globais, devemos nos preparar  para se envolver em um  debate aberto com aqueles cujas opiniões e ações, até agora, não estão no espírito do artigo 2. É somente através de tal engajamento que um consenso global sobre os problemas críticos de nosso tempo, e as opções disponíveis para lidar com eles, surgirá.

Estou comprometida com a mais ampla participação possível porque a transformação para que estamos trabalhando precisa da participação ativa de todos. É por isso que busquei alcançar mulheres, jovens, movimentos religiosos e outros grupos da sociedade civil, cidades e regiões, o setor de energia, setor financeiro, empresas, legisladores e muitos mais. Comprometo-me a convidar, incentivando, estimulando todos para fazer o seu melhor no menor tempo possível. Pois é somente com o máximo esforço que atingiremos as exigências da ciência. Portanto, é por isso que permaneço com vocês e com as gerações futuras, para que eu consiga uma conversa franca com a indústria do carvão, estabelecendo como devem transformar a indústria, a fim de contribuir com a solução.

Estou triste porque não os verei neste fim de semana, mas desejo um Powershift produtivo.

 

Melhores cumprimentos

Christiana Figueres

 

fonte: Agência Jovem – http://www.agenciajovem.org/wp/?p=17562

www.vitaecivilis.org.br

 (*) Délcio Rodrigues e Silvia Dias

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