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ANO 117 Nº 147 – PORTO ALEGRE, SEXTA-FEIRA, 24 DE FEVEREIRO DE 2012
José Francisco Hillal Tavares Botelho
Existe uma lição extremamente sutil, e geralmente despercebida pela maioria das pessoas, na onda de crises que vêm assolando o que antes conhecíamos como Primeiro Mundo. Diante do horizonte de turbulências financeiras que se divisa de Atenas a Londres, cabe perguntar: o que seria dos países europeus se não fosse por seu exuberante (e bem cuidado) patrimônio cultural e histórico?
A preservação de sua memória edificada é o que salva a Europa de um futuro ainda mais sombrio e caótico. Durante décadas – ao menos desde a Segunda Guerra Mundial – países como França e Itália investiram de forma profunda e ampla na manutenção de seu patrimônio. Agora, passados os loucos anos do crescimento econômico supostamente ilimitado, esses países contam com uma sobranceira tábua de salvação: o turismo cultural. Por mais endividadas que andem as empresas francesas e italianas, pessoas do mundo inteiro continuarão viajando a Roma, Paris e Florença. Imaginemos agora que franceses e italianos houvessem destruído o Coliseu, a Catedral de Notre Dame e as escadarias de Montmartre, para erguer estacionamentos, prédios comerciais e condomínios de 30 andares. Mas não falemos apenas em monumentos individuais; imaginemos, por exemplo, que os franceses tivessem preservado apenas Notre Dame e outras construções isoladas, entregando os intrincados bulevares da capital à especulação desarvorada. O resultado teria sido, sem tirar nem pôr, a destruição de Paris. Lamentavelmente, no Brasil impera essa ideologia retrógrada que, em termos de patrimônio, visa preservar apenas os “exemplares excepcionais”, este ou aquele monumento de importância “extraordinária”. Essa é a lógica que há décadas vem devastando nossas capitais. A verdadeira preservação é a que contempla paisagens urbanas, e não somente pedaços isolados.
Hoje, o absolutismo do lucro niilista ameaça arrasar o que resta de nossa cultura edificada urbana. Urge lembrar que a beleza não é um capricho, e a cultura não é uma frivolidade etérea. Um povo que leiloa sua identidade está condenando as futuras gerações não somente à pobreza espiritual, mas também à mais material das indigências. Sem políticas que preservem e valorizem os traços estéticos e arquitetônicos de uma região, fica-se à mercê da oscilação imprevisível dos mercados. Cultivando e respeitando o passado histórico e a herança estética, as comunidades plantam o alicerce de um futuro menos abismal, menos histérico e mais humano.